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Quinze anos de muito gás: uma resenha sobre a exposição“Fullgás – artes visuais e anos 1980 no Brasil”

  • Foto do escritor: Amina Potter
    Amina Potter
  • 28 de nov. de 2024
  • 13 min de leitura

Atualizado: 12 de dez. de 2024


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No dia 19 de outubro, tarde quente na cidade do Rio de Janeiro, cheguei no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB RJ) para visitar a recém-inaugurada exposição “Fullgás – artes visuais e anos 1980 no Brasil” que faz parte das comemorações dos 35 anos da instituição, no Rio (cartaz da exposição na Figura 1). O clima do dia, agora percebo, combinava perfeitamente com a atmosfera da mostra que apresenta a produção artística da geração da década de 1980 no Brasil, bem como objetos da cultura visual de massa da época. Assim que entrei no prédio, ainda no térreo, fui atraída pelas luzes neon da banca de revistas montada em frente a livraria do CCBB RJ (Figura 2 A e B). A banca, verifiquei, já era parte da exposição e é bom dizer que voltarei a lembrar dessa banca, várias vezes, durante a minha visita.


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A exposição que traz mais de 300 obras concebidas por 253 autorias (se eu não errei na conta) tem curadoria de Raphael Fonseca e curadoria adjunta de Amanda Tavares e Tálisson Melo. O título escolhido para a mostra é muito conhecido dos brasileiros, principalmente daqueles que, como eu, já passaram dos quarenta anos. Composta por Antonio Cícero, falecido recentemente, e por sua irmã, a cantora Marina Lima, a música “Fullgás” (letra em anexo) foi lançada em 1984, no mesmo ano em que eu nasci, mas é bem-sucedida em não deixar ninguém parado até hoje (letra no anexo ao final do texto).


Lembremos que, também em 1984, aconteceu, no Parque Lage, a famigerada mostra de artes "Como vai você, Geração 80?", que evidenciou as produções de grandes artistas do eixo Rio-São Paulo da época. Nesta nova exibição, a curadoria de “Fullgás” expande seu olhar e mostra ao público obras de ao menos um artista de cada estado do país. A exposição enxerga a década de 80 de forma estendida não apenas em relação ao território, mas também cronologicamente, pois traz trabalhos produzidos entre os anos de 1978 e 1993. É claro que concordamos que a produção artística de uma década não nasce e morre exatamente com os anos terminados em zero. As sementes do que está sendo apreciado hoje nas artes foram plantadas ontem e vão dar frutos amanhã. Contudo, para além disso, quando olhamos para o que estava acontecendo no Brasil naqueles anos, percebemos os motivos da escolha curadoria.


O ano de 1978 foi o ano de revogação do Ato Institucional Número Cinco (AI-5), dando uma ponta de esperança de que as barbaridades da ditadura, enfim, ficariam para trás. Já 1993, ficou marcado como o primeiro ano depois da saída de Fernando Collor de Mello da presidência, após sofrer um processo de impeachment suscitado por denúncias de corrupção. Enquanto isso, lá fora, o mundo vivia um acelerado processo de desenvolvimento tecnológico alimentado pela Guerra Fria. O capitalismo ganhava essa guerra e consagrava-se como ordem mundial. A globalização acelerada inundava o país de novas tecnologias e avanços científicos e a capa da revista Manchete dessa época com “As primeiras fotos da criação da vida” (exemplar que vi na banca do térreo) maravilhava a todos. À vista disso, a curadoria de “Fullgás” concentrou-se em transmitir ao público o sentimento dos artistas que viveram e que começaram a produzir durante esses anos “cheio de gás”.


Segundo Marília Xavier Cury, museóloga e educadora de museus, os museus e as exposições mais atuais são concebidos por grandes equipes multidisciplinares e/ou coletivos com o objetivo de provocarem uma atitude ativa cognitiva (intelectual e emotiva) do visitante e permitirem uma experiência de apropriação do conhecimento. É uma tentativa de afastarem-se das mostras contemplativas, pensadas de forma individual, que ocorriam há até pouco tempo. Para a autora, a experiência do público ocorre a partir do seu universo referencial, criando uma síntese subjetiva. A exposição não tem uma importância por si só, mas sim pela interação entre e exposição e o público (CURY, 2006). Dessa maneira, quando a curadoria de “Fullgás” inclui objetos da época e cria áreas de interação táteis, como quebra-cabeças de imagens conhecidas, murais entre outros objetos, o público sente-se envolvido pelos ares daquela década e é mais facilmente atravessado pelas obras expostas. Além disso, a elaboração da mensagem não é apenas recebida, mas construída pelo público e pode interferir na experiência de outras pessoas. Por exemplo, a imagem que uma pessoa forma no quebra-cabeças mencionado será vista pelo próximo visitante de uma forma diferente daquela que foi recebida por quem o montou. Ou ainda, ao assistir a um vídeo, alguém pode fazer um comentário que será ouvido por outro visitante e esse comentário pode chamar a atenção daquela pessoa para aquela obra, ou até repeli-la.


Segundo o curador Raphael Fonseca, a expografia de “Fullgás” assemelha-se a um caleidoscópio. Um caleidoscópio é um aparelho usado para obtenção de imagens, através de um jogo de espelhos, sendo que cada movimento giratório produz variadas e distintas combinações que podem ser observadas por uma abertura em uma de suas extremidades, ou ainda, em sentido figurado, um caleidoscópio pode ser algo que produza imagens coloridas, ou que esteja em movimento. Dito isso, eu concluo que as palavras de ordem para esta montagem foram “cores” e “movimento” e o público já começa a perceber isso ao passar pela rotunda do edifício, onde está instalado um grande balão azul e branco, obra do artista paraense Paulo Paes (Figura 3). É como um convite: voe!


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As obras ocupam todas as oito salas do primeiro andar do prédio e estão agrupadas em cinco núcleos, que também receberam o nome de músicas dos anos 80. A disposição das divisórias centrais e de algumas obras, principalmente as tridimensionais, como esculturas e televisores antigos, direcionam o público para outras obras, não necessariamente para aquela que estaria imediatamente após, da mesma forma que um espelho faz ao refletir um raio de luz. Não sei dizer se este movimento físico do visitante era a intenção da curadoria, mas posso falar que eu fui e voltei, algumas vezes, dentro de cada sala, perambulando conforme ia sendo, eu mesma, “refletida” para lá e para cá. E, a cada combinação de movimentos, minha mente ia formando novas associações e sensações.


O primeiro núcleo “Que país é este” transporta o público para um Brasil que passava por um processo de redemocratização, logo após o fim da ditadura militar. Questões econômicas como a alta inflação, variações da moeda e discussões sobre uma nova Constituição ferviam. A capa da revista Veja “Os testes do 1º de Maio”, publicada em 1979, e que vi pendurada na banca, estampava a reunião de 120 mil trabalhadores reunidos no Estádio da Vila Euclides, em São Bernardo, em um ato que foi considerado um marco na luta pela redemocratização do País e que contou com um discurso histórico de nosso atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. As obras desse núcleo estão cheias das comemorações, mas também de protestos que refletiam essa euforia e a vontade de mudança, de libertação, além de conterem os machucados, ainda abertos, da ditadura militar. Mais uma vez, tal qual uma boa “paraoca” (carioca que cresceu em Belém do Pará), me sinto atraída pelas obras de outro artista paraense, desta vez pelas fotografias de Miguel Chikaoka, que mostram diversas manifestações sociais da época e que estão expostas nesse núcleo. Nele também está presente uma grande obra de Arthur Bispo do Rosário: “Uma obra tão importante que levou 1986 anos para ser escrita ...” (Figura 4).


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O segundo núcleo é para festejar sim e talvez por isso seja o maior. “Beat Acelerado” invadiu minhas retinas com cores e ritmos pulsantes, deixando claro que a seriedade e a sobriedade das artes dos anos 1970 davam lugar a pinturas e a desenhos cheios de energia. A experimentação de cores vibrantes ganharam destaque, assim como os movimentos gays e as mulheres. O prazer e a liberdade de amar são os grandes temas desse núcleo, refletidos nas obras “Dois coqueiros apaixonados”, de Ciro Cozzollino e na camiseta “Overgoze” de Eduardo Kac (Figura 5).


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“Diversões eletrônicas” traz as inovações eletrônicas dos anos 80 e a presença cada vez maior de eletrodomésticos nas casas brasileiras. Uma época em que as donas de casa liam “Cozinhando com o Microodas” (outro título que vi na banca), enquanto a família inteira sentava em frente a televisão para assistir a programas como “Xou da Xuxa”, “Armação Ilimitada” e “Fera Radical”. Eram tempos acelerados e Ayrton Senna fazia de todo brasileiro um fã de Fórmula 1. Não a toa, a réplica do capacete do piloto era uma das peças mais disputadas pelo público para fotos. Uma das últimas obras é o colorido e complexo “Painel de controle” (Figura 6), de Luiz Hermano que sintetiza bem a energia desse núcleo.


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Obviamente, nem tudo foi festa nos anos 80. “Pássaros na garganta” traz a reflexão sobre como todo esse desenvolvimento tecnológico desenfreado impactava o meio ambiente. O episódio do césio 137, de Goiânia, as grandes secas e enchentes, que ocorreram por todo o Brasil, foram temas de muitas obras, assim como a “Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento” (Eco92), que aconteceu no Rio de Janeiro. Questões indígenas e de reforma agrária também foram temas que inspiraram as produções de artistas desse núcleo. “O pranto dos animais II” (Figura 7), de Hélio Melo e “Césio 137”, de Siron Franco são exemplos dessas produções.


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O quinto e último núcleo de “Fullgás” é também o mais melancólico. “O tempo não para” carrega a reflexão de Cazuza, morto em 1990 em decorrência da AIDS. Ele foi o primeiro artista brasileiro a se declarar, publicamente, soropositivo inspirando muitos artistas a produzirem e a debaterem sobre o vírus HIV. Neste núcleo também lembramos de como a vida é feita de ilusões e de decepções, assim como foi grande a decepção coletiva, de boa parte do povo brasileiro, após o impeachment de Collor. Imagine o desencanto do autor da manchete comemorativa “Collor presidente, o poder jovem no Planalto” (mais um título presente na banca do térreo). Neste núcleo vamos encontrar obras como “Entre céus e ruínas” (Figura 8), de Leila Danziger e o vídeo “O profundo silêncio das coisas mortas” (1988), de Rafael França.


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Confesso que, mesmo antes de entrar na exposição, quando vi os títulos de cada um dos núcleos, sabia que me deteria sobre “O tempo não para”, fato que se confirmou ao final da minha visita. Este tema me absorve de uma forma irresistível por muitos motivos. A finitude da vida é um dos temas que mais inspiraram e que continuam inspirando muitos artistas. Quando a frase “O tempo não para” deixa de ser apenas uma retórica e começa a invadir nossos corpos finitos, uma angústia e também uma ânsia de viver passam a nos acompanhar a todos os lugares. E, naturalmente, quanto mais vou vivendo, mais esse tema vai me atravessando e eu vou conseguindo entender melhor os pensamentos e os sentimentos impressos em tantas músicas, poemas, pinturas etc. Portanto, as obras desse núcleo refletem sobre a brevidade do tempo e sobre a fugacidade da vida, fazendo um retorno ao título da exposição: “Fullgás”. Escolhi três obras desse núcleo para tentar fazer uma reflexão mais profunda.


Logo que entrei no último núcleo, fui atraída pela obra “Maria Madalena” (1991), de Karin Lambrecht (Figura 9). Um quadro grande, com cores escuras e intensas formadas por tons terrosos e azuis, que vão desde os mais neutros aos mais saturados. Pesquisando um pouco sobre a trajetória da artista que produziu a obra que tanto me atraiu o olhar, deparei-me com uma antiga foto de Karin pintando na sede do meu saudoso clube do Remo, em Belém do Pará, no ano de 1992. Na tela que ela pintava havia o mesmo azul das manchas em forma de gotas presentes em “Maria Madalena”.


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Karin Lambrecht nasceu em 1957, em Porto Alegre e interessou-se por arte desde jovem. Sua produção envolve temas como religião, cultura e vida interior. Influenciada pelo neoexpressionismo alemão, país onde morou e estudou artes, Karin interessou-se pela materialidade das artes e começou a fabricar muitos dos materiais que usava em suas obras, incluindo elementos orgânicos, como terra, argila etc, o que influenciou também a sua paleta de cores a partir de então. Em “Maria Madalena” é possível observarmos muitos desses elementos e interferências. Uma tela em formato quadrangular dividida diagonalmente em duas grandes áreas em azul e marrom; uma pequena cruz em argila, no quadrante inferior direito, parece surgir atrás de uma cortina. Na parte superior da obra, três quadrados quase totalmente brancos e que lembram aplicações em tecido, parecem flutuar. No quadrante superior direito é possível lermos a inscrição, meio falhada, “Maria Madelena” em letra cursiva. Manchas em forma de gotas em pigmento azul vibrante aparentam cair do segundo quadrado.


Não sou católica, mas sempre gostei de Maria Madalena, por isso recordo-me que ela é mencionada três vezes nos evangelhos. Seriam por isso os três quadrados? Já as gotas azuis me fazem pensar na água, que limpa os pecados, mas também no sangue derramado de Cristo aos pés da cruz: talvez a maior decepção da humanidade. Uma das vezes em que Maria Madalena é mencionada no Evangelho é justamente no momento da morte de Jesus, quando ela chora junto a Maria, mãe do Salvador. O fato de termos sidos feitos do barro e a ressurreição de Cristo, também não me escapam quando observo a cruz de argila envolta em raios de luz. A obra de Karin, assim como vários artistas dos anos 80 promove um confronto e um diálogo com a pintura tradicional. Um quadro profundo em cores e em significados.


A segunda obra desse núcleo que eu gostaria de comentar é “Iemanjá hipocondríaca” (1985-2006), de Alex Flemming (Figura 10). Filho de pai piloto e mãe comissária de bordo, Alex morou muito tempo fora do país e, atualmente, reside na Alemanha. Apesar disso, considera-se um artista brasileiro, pois além de ter nascido no Brasil, suas obras sempre tiveram influências e motes do nosso país. Segundo o próprio Alex, em 1985, ano de início desse obra, ele estava interessado nos “santinhos”, que nada mais são do que pequenos cartões que contém imagens de santos, orixás etc de um lado e, do outro lado, orações. Teria vindo daí a inspiração para a Iemanjá que observamos. Nesta grande tela, o artista apresenta dois temas que instigam uma identificação imediata com o público. Em “Iemanjá hipocondríaca”, vemos essa Iara, rodeada por aplicações de cartelas de remédios vazias, resíduos do consumo do artista (que já contou ser hipocondríaco). Notei muitas pessoas na exposição sorrindo enquanto olhavam para a tela de Alex, como se pensassem: “se eu guardasse as minhas cartelas, daria pra cobrir muito mais”.


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A obra é uma grande tela retangular, com um fundo na cor laranja escuro (ou um marrom terroso), na qual observamos o desenho de uma linda sereia feita em tinta acrílica fosca preta, com algumas áreas iluminadas na cor azul-clara. A figura mitológica usa uma coroa com pérolas e uma estrela do mar e seus longos cabelos caem por cima do seu colo, cobrindo os seus seios nus. A mulher, metade humana e metade peixe, tem o cotovelo direito apoiado em algo que não é facilmente identificável, pois esta área, assim como o resto da tela, está coberta por aplicações de inúmeras cartelas metálicas de comprimidos vazias. Essas cartelas fazem um contraponto com o material fosco da pintura e algumas são laranjas, combinando com o fundo. Pelo tempo de mais de vinte anos entre o início e o fim da execução desse tela, eu ousaria dizer que, talvez, Alex não estivesse totalmente satisfeito com a plasticidade do quadro até que, finalmente, teve a ideia de incluir o brilho das cartelas. Imaginei isso, devido a forte preocupação do artista com o resultado estético de suas obras. Para Alex, seja qual for a mensagem, a arte “precisa ser bonita”.


A última obra que eu gostaria de comentar é um trabalho de Paulo von Poser, “O livro das horas” (1984-1988) (Figura 11). Paulo é um artista paulista, formado em arquitetura, que tem como um dos seus temas mais recorrentes a cidade de São Paulo. Ele expressa-se por muitos meios, tais como desenhos, pinturas, ilustrações, cerâmicas e é conhecido como “o artista das rosas”, por, frequentemente, incluir flores coloridas nas cenas da grande metrópole cinza. As caminhadas com seus alunos do curso de arquitetura também é alimento para sua produção. Entre 1986 e 2018, Paulo lecionou na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Santos, de onde quem sabe, tenham vindo algumas das inspirações para a criação de “O livro das horas”.


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Uma obra composta por 24 quadros (folhas de caderno) organizadas em quatro linhas e seis colunas. Os desenhos e pinturas foram feitos em nanquim, guache, tinta acrílica, giz de cera, serigrafia e costuras sobre páginas de papéis variados. A paleta não poderia ser mais característica dos anos 80, com predominância de cores chapadas como roxos, laranjas e vermelhos intensos. Observei que cada quadro poderia ser uma obra completa, mas quando agrupados na organização proposta pelo artista, algumas linhas compõem figuras maiores. Em todos os 24 quadros da obra conseguimos identificar a mesma figura: um homem, magro com cabelos curtos, que eu imagino ser o próprio Paulo. O homem é representado em muitas posições e ângulos diferentes, mas nunca sorri. Parece estar sempre absorto em seus pensamentos. Na região central, vemos duas representações maiores do homem da cintura para cima (formadas pela união de alguns quadros), nas cores laranjas e vermelho e que estão em posições quase espelhadas. Na figura em vermelho, o homem tem uma rosa no peito.


Quando observei o “O livro das horas” de Paulo von Poser, lembrei dos meus oito anos de educação em escola católica, pois o objeto denominado Livro de horas, conhecido desde a Idade Média, eram livros, decorados com iluminuras, onde devotos mantinham os registros de festas sagradas, orações, salmos etc. Era comum que esses livros também contivessem um compilado de cerimônias curtas, que deveriam ser realizadas ao longo do dia, segundo as horas. A obra de Paulo possui 24 partes, assim como as horas do dia. E, se observarmos bem, existem 12 figuras do homem na cor roxa que estão distribuídas circularmente, tal qual os números de um relógio de ponteiros. A propósito, no quarto desenho da segunda linha, vemos o homem mexendo em um objeto que parece ser um relógio de pulso.


Talvez eu esteja sendo um pouco romântica demais, mas quando olho para essa obra, vejo um Livro de horas de um homem apaixonado, que pensa sem parar em sua amada, tal qual o tempo. Digo isso, porque em dois quadros o homem observa a figura de uma mulher sem cor. Além disso, no segundo desenho da primeira linha vemos uma flor amarela sendo despetalada. Quem nunca brincou de “bem me quer, mal me quer” enquanto vivia as inseguranças de uma paixão? Na mesma linha, uma melancia partida. Metade de um todo? Ou uma referência aos poderes afrodisíacos da semente da fruta? Vou parar meus devaneios por aqui porque comecei a ver as figuras centrais como ponteiros desse possível relógio. A certeza que tenho é que a curadoria não errou ao escolher esse núcleo para receber “O livro das horas” de Paulo.


Menos de uma semana após a minha visita à exposição, o autor da música “Fullgás” decidiu finalizar sua vida, através de uma morte assistida, na Suíça. Antonio Cícero, que sofria da doença de Alzheimer, escreveu em carta que uma das suas maiores dores era não conseguir mais se lembrar de seus amigos. Eu termino este texto grata por esta exposição e pela poesia de Antonio Cícero, e na torcida para que a primeira coisa que ele tenha esquecido tenham sido os porões do Dops. “Fullgás – artes visuais e anos 1980 no Brasil” vai até o dia 27 de janeiro, no CCBB do Rio e, até o final de 2025, passará pelos CCBBs de Brasília, de São Paulo e de Belo Horizonte.




REFERÊNCIAS


CCBB RJ. Release Fullgás: Fullgás - artes visuais e anos 1980 no Brasil, no CCBB RJ. Arquivo. Disponível em: https://ccbb.com.br/arquivo/release-fullgas/ . Acesso em: 26 nov. 2024.


CURTA, Canal. FULLGÁS | Exposição em cartaz no CCBB Rio.

Youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iEdA18NYKXc . Acesso em: 26 nov. 2024.


CURY, Marília Xavier. Exposição, Concepção, Montagem e Avaliação. São Paulo: Annablume, 2006.


DINIZ, Augusto. ‘Você me abre seus braços e a gente faz um País’ é fruto de um manifesto de libertação. Música Brasileira. Carta Capital. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/augusto-diniz/voce-me-abre-seus-bracos-e-a-gente-faz-um-pais-e-fruto-de-um-manifesto-de-libertacao/ . Acesso em: 26 nov. 2024.


FULLGÁS, Arquivo. Youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/@arquivo_fullgas/videos Acesso em: 26 nov. 2024.


LEGRAMANDI, Sabrina. Antonio Cicero: Leia a carta de despedida do poeta, que praticou o suicídio assistido na Suíça. Disponível em: https://www.terra.com.br/diversao/antonio-cicero-leia-a-carta-de-despedida-do-poeta-que-praticou-o-suicidio-assistido-na-suica,6ea28237409bc60d7d6d151806fc0ccbf5p8n3zh.html?utm_source=clipboard. Acesso em: 26 nov. 2024.


LETRAS. LP Marina Fullgás. Disponível em: https://www.letras.mus.br/marina-lima/88108/ Acesso em: 26 nov. 2024.


TVTNEWS. Mostra celebra 35 anos do CCBB no Rio de Janeiro. Youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8qbwwCCemRY Acesso em: 26 nov. 2024.


VON POSER, Paulo. Página do artista Paulo von Poser. Disponível em: http://paulovonposer.com.br/. Acesso em: 26 nov. 2024.

11 comentários


Gabriel Brito
29 de nov. de 2024

Parabéns ❤️

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Larissa
29 de nov. de 2024

Estive na exposição e seu texto faz a gente querer voltar.

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Amina Potter
Amina Potter
29 de nov. de 2024
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Acredita que eu tb quis voltar!? Nunca dá o ver tudo né? Obrigada 😊

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Convidado:
29 de nov. de 2024

Amei!

Parabéns

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Amina Potter
Amina Potter
29 de nov. de 2024
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Obrigada! Em breve tem mais resenha! Bora acompanhar 🤩

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Camila
28 de nov. de 2024

Pronto! Agora vou ter que ir nessa expo. Também adoro o trabalho da Karin.

A resenha tá otima! Me senti lá! Parabéns!

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Amina Potter
Amina Potter
29 de nov. de 2024
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É incrível mesmo

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Marisa
28 de nov. de 2024

Ah, que bacana hein! Me deu vontade de ver a exposição. Obrigada

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Amina Potter
Amina Potter
28 de nov. de 2024
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Precisa ir! Tá muito interessante! Uma viagem ao túnel do tempo

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